Sinopse do filme

Aborda o movimento cultural Roraimeira, surgido nos anos 80, para formar uma expressiva cena artística popular amazônica.

O filme apresenta o Movimento Cultural que por meio da música, das artes visuais, da dança, da literatura e da fotografia originou a cena artística de cunho regionalista a partir dos anos 80 em Roraima. Mergulha na memória de três personagens centrais – Eliakin, Neuber e Zeca, que são levados a lugares que inspiraram as músicas regionais de grande popularidade no início do movimento cultural.

A partir da lembrança do trio Roraimeira, como são conhecidos os personagens, o documentário procura entender o nível de influência do movimento cultural na formação da identidade cultural roraimense.

A bandeira da preservação ambiental e valorização da cultura indígena aliadas a um som ‘caliente’ que mistura ritmos caribenhos,

amazônicos e nordestinos revelam uma peculiaridade apresentada no documentário em músicas consideradas ‘hits’ do Roraimeira.

A zoodança é um dos destaques do documentário, pois apresenta de forma plástica e orgânica a interação do homem com o meio, tendo como elemento primordial a reprodução do comportamento de animais amazônicos.

O média-metragem foi produzido por meio do Programa DocTV, que Fomenta a Produção e Teledifusão do Documentário Brasileiro – DOCTV nasceu em 2003, como política da Secretaria do Audiovisual voltada à produção de documentários e à TV Pública. O DOCTV atua em toda a cadeia produtiva do documentário, criando ambientes de mercado, auxiliando na formação de profissionais, garantindo a regionalização da produção e a difusão do conteúdo em âmbito nacional. Todos os estados participam do Programa por meio de suas TVs ou Instituições Públicas em associação com a produção independente, formando a Rede DOCTV.

Em Roraima o DocTV foi produzido em parceria com a UNIVIRR – Universidade Virtual de Roraima, ABEPEC – Associação Brasileira de Emissoras Públicas, Educativas e Culturais.


Um filho do capitalismo a serviço do social brasileiro

Um dos cineastas mais renomados do Brasil, Walter Salles estudou Economia para entender dos negócios da família proprietária do Unibanco e formou-se em Comunicação Audiovisual para representar a classe pobre do país, através de seus filmes realistas que instigam debates sobre questões sociais e ganham o mundo através dos grandes festivais de cinema.

A economia certamente ajudou Salles a captar recursos para seus filmes, pois no Brasil o cineasta além de entender de cinema tem que saber bater na porta certa para angariar apoio institucional e financeiro. Isso ele aprendeu muito bem e descobriu que no nosso país ainda é fato raro, prova disso é que seu último longa-metragem Linha de Passe foi bancado por pequenas distribuidoras européias que previam o sucesso do filme no velho continente.

Já a formação cinematográfica na Califórnia possibilitou o domínio da técnica necessária para o registro audiovisual, conforme exige a linguagem da sétima arte, e indubitavelmente, muito bem realizada no país que detém a maior indústria de cinema no mundo.

Mas o grande o trunfo do diretor brasileiro está na escolha de temas que permeiam a realidade da maior parte da população brasileira. Salles tem a capacidade de expor num único filme várias questões sociais como: a relação da pobreza com valores éticos e morais na luta pela sobrevivência, a família como instituição primária e a cultura como elemento basilar.

No renomado Central do Brasil a personagem Dora, interpretada por Fernanda Montenegro, carrega símbolos destes temas sócio-culturais, numa representação arquetípica do brasileiro - que sem emprego legal dá um “jeitinho” para ganhar a vida - escreve cartas para analfabetos que migraram para a cidade grande em busca de uma vida melhor, e que nunca imaginam que suas cartas não chegarão ao destino final.

No contato com o moleque Josué que sonha encontrar o pai, Dora tem a oportunidade de refletir sobre valores que já não instigavam sua consciência, especialmente no que diz respeito à família. Na tentativa de redenção por seus atos corruptos contra pobres cidadãos, a personagem resolve ajudar o garoto que vai surgir como uma “sombra” para ela, justamente por despertar o sentimento de maternidade, algo que se opõe à sua vida solitária.

Walter Salles não teme em reincidir o papel da mulher na sociedade e, principalmente, na instituição família. No filme Terra Estrangeira e no filme Linha de Passe é possível identificar este arquétipo nas personagens mães que inspiram e balizam o comportamento de seus filhos, que estão intimamente ligados às suas genitoras. Neste último filme o papel da mãe é ainda mais preponderante, pois tem que criar quatro filhos de pais diferentes.

A figura do pai é fortemente lembrada pela ausência deste símbolo de protecionismo que deveria, mas não está presente para garantir a segurança e a estabilidade da família. Em Abril Despedaçado o personagem do pai existe, interpretado por José Dumont, mas é justamente quem promove a desestrutura familiar por se prender a rigores tradicionais em nome da honra e por não enxergar as vicissitudes do filho Tonho, que busca no olhar da mãe a compreensão para seus conflitos internos.

As referências culturais estão evidentes no filme Diário de Motocicleta, onde o personagem Che Guevara demonstra seu ideal latino americano de libertação das amarras capitalistas, de acordo com a ideologia socialista de Simon Bolivar e Fidel Castro. No filme Linha de Passe o personagem Dario é um estereótipo clássico do garoto pobre das periferias brasileiras que só enxerga no futebol a ascensão para uma vida digna. Elementos como tradição familiar, crença religiosa e luta pela dignidade são outros elementos que evidenciam o sentimento de brasilidade nos filmes.

Além das temáticas, a construção narrativa dos filmes de Walter Salles revela um diretor fortemente influenciado pelo Cinema Moderno e especialmente pelo Cinema Novo, ecoado por Glauber Rocha no país inteiro. A eterna busca de Kaique pelo pai em Linha de Passe, o drible de Dora na possibilidade de ter uma família em Central do Brasil, a inesgotável vingança das famílias em Abril Despedaçado, refletem bem a narrativa sem final fechado e vitorioso que marcam os filmes clássicos do cinema.

Outros elementos que ajudam a compreender o realismo da obra de Salles estão na cenografia, na fotografia e na atuação dos personagens. Para isso não dispensa parcerias essenciais como a de Daniela Thomas que co-dirigiu dois de seus grandes filmes. O sol do nordeste é explorado numa fotografia primorosa de outro grande parceiro, Walter Carvalho, que imprime uma representação realista nos filmes Abril Despedaçado e Central do Brasil, promovendo uma experiência visual e sensitiva bem próxima da vivenciada nesta região do país, na época de seca.


O naturalismo nas interpretações exige uma direção de atores extremamente delicada e detalhista, fato que Walter Salles não deixa escapar nos protagonistas de suas histórias. O que dizer da atuação de Fernanda Montenegro em Central do Brasil? Com poucos gestos e olhares estonteantes abduziu o público para a infeliz existência de sua personagem Dora. Já a atriz Sandra Corveloni dá a impressão de que realmente foi escolhida num casting na favela, pela excelente interpretação de Cleusa em Linha de Passe e por ser desconhecida pelo grande público até ganhar o Prêmio de Melhor Atriz no Festival de Cannes.

Com tantos elementos fundamentais reincidentes e funcionais na obra de Walter Salles, arrisco dizer que se os protagonistas da 'Teoria do Autor' André Bazin e François Truffaut tivessem vivos destacariam na Revista Cahiers Du Cinéma o cineasta brasileiro como um dos grandes diretores autorais do cinema latino-americano, título que talvez rendesse uma projeção equivalente a de Hitchcock após crítica de Truffaut, além de umas dezenas de estúdios querendo investir no cineasta brasileiro. Ainda bem que isto não é realista, pois provavelmente não teríamos este ícone do cinema brasileiro realizando filmes com temáticas tão vigorosas do nosso contexto social.

Thiago Briglia
aprendiz de cinema brasileiro